quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Boa noite, V.

Ligaram-me do hospital, do outro lado pediram-me para falar com a V., ela teve um desastre de carro e tem uma fractura de c2. Puseram-lhe o Prada.

Revi as minhas dúvidas nas dela, o medo na voz, o caminho escuro e sinuoso ainda por percorrer. Quis dizer-lhe que vai ser canja, e não consegui. Quis acalmá-la e responder a todo o tipo de perguntas que ela fazia da melhor maneira que sei e posso.

Quando desliguei o telefone senti que o mundo me tinha escapado outra vez das mãos. Mais uma que perde a inconsciência da vida ao 20 anos, mais uma obrigada a um SOMI por meses, mais uma que tem que aprender o que são paraestesias, o que são choques nos membros, o que são dores e maus estares de uma fractura cervical.

Já passei por tanto que agora tudo o que vier é águinha com açúcar, e ainda assim o que passei e o que perdi ninguém vai poder pagar.

Queria que ninguém tivesse que passar por isto, que a V. estivesse a ter um pesadelo e que muito rapidamente acordasse.

Desculpa V. se não te disse o que querias ouvir, hoje à noite, somos duas a sentir a injustiça da vida. E ainda assim, isso não me faz sentir melhor.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

o escudo em vhs

- O Avô sentava-me no colo, abria a gavetinha das moedas e dava-me 100$00 para ir aos ursinhos, lembraste Kiko?

- Ya. Era altamente.

- Tu és do tempo dos escudos? - pergunta a Martinha



- Mariaaaa, sabes pôr as cassetes no vídeo? - pergunta a Martinha ao entrar na sala, tive que processar palavra a palavra, não estava a acreditar na pergunta.


Sou só eu que acho isto estranho?

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

+ 7

e se eu hoje te disser que sim? que vou contigo aonde me quiseres levar e sem olhar para trás. queres? ainda queres? e quanto é que queres?

mesmo se eu chorar baba e ranho de vez em quando, e mesmo se eu me rir de boca aberta e às gargalhadas num restaurante pequenino, mesmo se eu voltar a estar numa cama de hospital, de eu voltar a ter medo de falhar, se eu não souber manter uma conversa em inglês, se eu estiver ranhosa e me assoar, mesmo que eu tenha uma tendência anormal para ter borbulhas gigantes em dias de festa, mesmo quando eu tiver mau feitio e bater o pé... vais continuar a querer ser assim?

e se eu sei que as respostas são sim... porque fico?
porque ainda há mais 7

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

2009/2010

Chove lá fora, o frio quase não se sente e o tempo passa com a calma tranquila de sempre.
Voltei a ter pesadelos.
Três carros, um despiste, uma morte, dores, hospitais, macas, médicos, salas de espera. Tudo outra vez tão real e tão doloroso como da primeira vez.

Acordei pequenina, com medo. A chuva batia na janela com uma raiva inexplicável.
Anseio o dia em que isto vai deixar de acontecer. Largar os pesadelos com carros, a ansiedade cada vez que entro num carro, a angustia das curvas e das ribanceiras.

Este ano aprendi tantas coisas em tão pouco tempo que me sinto obesa de conhecimentos.
Aprendi da forma mais abrupta a fugacidade da vida. Aprendi da forma mais dolorosa a maldade humana. Aprendi que as pessoas têm em si a força que têm que ter e não a que acham que têm. Aprendi que a paciência se constrói passo a passo e conforme as necessidades. Aprendi que o momento, por mais pequeno e finito que seja, vale o que vale.

Não fiz a maior parte das coisas a que me propus este ano. Não acabei o curso, não comecei a estagiar, não aprendi a tocar bateria, não fui todos os dias ao ginásio, não aprendi a jogar xadrez, não me inscrevi como dadora de medula óssea, e oiço alguém que diz "mas agora tens a vida toda para fazer o que quiseres"...

Sim, tenho.
Tenho uma vida inteira pela frente até ao próximo susto.
Tenho uma vida inteira pela frente até à próxima desilusão.
Tenho uma vida inteira pela frente até ao próximo pesadelo.

E tenho esta angústia que volta e meia bate à porta e entra sem ninguém a ter deixado entrar. E sinto-me novamente pequenina nesta minha condição de sinistrada.

Não gosto.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Abro o blog, tenho uma necessidade de escrita sôfrega. A música toca desgarradamente, o som espalha-se pela sala, eu cantarolo desalmadamente.

O Natal chegou e eu nem dei por ele, e sinto esta estranha sensação de estar viva e de me mexer, e de ter sonhos e objectivos e ambições e ser mais e melhor todos os dias, e de querer. Sobretudo de querer.

Esta estranha sensação de querer estar viva e de me querer mexer, de querer ter sonhos e objectivos e ambições e de querer ser mais e melhor todos os dias. É bom, inebria e alimenta esta sede de vida que me acompanha há meses.

O Natal chegou e eu estou viva para partilhá-lo com quem mais gosto.
Estou viva!
E que bom é estar viva!

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009



HABEMUS CHANNEL!

HABEMUS CHANNEL

10 da manhã, os olhos ainda meio fechados e toca o telefone... oh não! um número que eu não conheço, logo de manhã. isto é trabalho. blerg. ainda tenho a voz ensonada, os miolos ainda nem acordaram.
atendo a meia voz:

- Sim?
- Maria? Bom dia! É o Dr. Gonçalo!
- Ah! Dr.! Está bom?
- Bem obrigada Maria! Olhe e a Maria também está óptima! Estive a olhar para os seus exames e as suas fracturas estão óptimas.

....

Desliguei o telefone e apeteceu-me gritar a plenos pulmões.
As coisas avançam lentamente. A vida retoma a sua normalidade e sabe bem esta tranquilidade que se vai instalando na minha vida. Hoje voltei a ser invisível aos olhos dos que comigo se cruzam - este colar é discreto, é banal. Eu gosto de ser invisível.

A minha manicura hoje disse-me que eu tinha voltado a nascer.
Hoje sinto-me capaz de dominar o mundo com um só dedo e de uma só vez.
Tinha saudades desta sensação de força e determinação.
Passei mais uma etapa, entrei na terceira e sinto a benção da vida a cada sorriso da minha Mãe, dos meus irmãos, a cada telefonema e a cada mensagem.

Hoje há uma estrela lá no alto que brilha mais que ontem.

Saudações efusivas,
Maria Coco Channel