quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Café Inocente

Há nos corredores a gritaria normal de um liceu, os mais velhos do pavilhão estão nos corredores a ver quem passa, naquele impasse de comentar a vida alheia
Ela repara nele, lá em baixo, no pavilhão A. Aquele ar de menino betinho, o blusão Gant, os sapatinhos de vela, o sorriso maroto, e fundamental, o factor desconhecido. Aquela cara não pertence ali, está à porta de uma sala que não é a dele, e no entanto movimenta-se com a segurança de quem conhece os cantos à casa.
Olha para as amigas, todas elas estão presas no desconhecido miúdo que passeia um capacete debaixo do braço. Num impulso começa o jogo dos recadinho para cima e para baixo, ele é amigo de um amigo, a amiga passa o recadinho ao amigo, o amigo passa ao amigo e o amigo responde. São dez minutos de risinhos e histerismo típico da adolescência.
Toca a campainha, e ainda há tempo para uma troca de olharzinhos nervosos. A aula passa ao lado, qualquer que seja a matéria não vai existir nunca espaço para afastar as cabeças do rapaz novo, ela sabe que as amigas vão arranjar maneira de lhe perguntar o número. Nada disto é discreto. Na selva do liceu há regras, e uma delas é ser-se discreto indiscretamente no jogo do engate.
Trocam-se os números num bilhetinho, é uma questão de tempo até toca o telefone com a primeira mensagem, a segunda, a 35ª que combina um café. Inocente claro.

Aos 13 anos, ela abre o capítulo dos cafés inocentes. Passados dez, ainda não percebeu que os cafés nunca são inocentes. O jogo com o rapazinho desconhecido repetiu-se e repetir-se-á variadíssimas vezes ao longo da vida. Noutros corredores, com outras amigas, com outros factores e sempre o mesmo fim - os cafés não são inocentes.

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