segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A Carta Que Nunca te Escrevi

Perguntas-me como estão os fios do coração e do pescoço. Respondo-te que estão bem, nem que seja bem mal. Dizes que é normal, dás-me meia dúzia de frases bonitas e tentas saber o que se passa.

Nunca percebi porque é que fazes isto. Não sei porque é que teimas em desiludir-me para depois quereres fazer parte da minha vida. Esta não relação que temos é venenosa. Apercebeste-te disso? Sabes que esta carta calada é para ti? Nunca deves ter vindo ao blog, pediste-me várias vezes o endereço mas não creio que tenhas por cá passado alguma vez. Nem no início, mesmo depois do acidente e com as coisas a quente, mesmo quando te esforçaste, pouco, para reatares uma coisa que nunca existiu.

Dizes-me que tens mais experiência de vida, que percebes, que sabes que estes sapatos novos me ficam bem, mais uma vez nem que seja bem mal. Queres ver os sapatos novos, queres que eu te conte onde encontrei os sapatos novos, há quanto tempo ando de olho neles. Respondo-te. Conto-te o que queres saber, durante 10 minutos somos cumplices. 10 minutos numa vida que tem 24hrs por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano.

10 minutos aqui e acolá não chegam quando se tem 23 anos, quando se lutou por se ser vista e tida em conta na lista de prioridades. Não estavas na fila escura do teatro, não estavas à porta de Salamanca, não estavas quando acordava doente, não estavas quando comecei a escrever, não estavas quando fiz 18 anos, não estavas quando fiz 21, não estavas quando era Natal, não estavas aos fins-de-semana no jardim, não estavas nem nunca estiveste por mais de 10 minutos.

Não te consigo guardar raiva, nem mais nada. Não me peças para guardar mais nada. Não quero guardar mais nada. Quando esta carta que nunca te escrevi acabar fica por aqui a última desilusão. Fica por aqui aquilo que nunca te disse.

Não te tenho como uma má pessoa, não te julgo por não saberes escolher o teu caminho e quem queres ser na minha vida, não te pergunto quem sou e vivo com esses 10 minutos que me dás de cumplicidade ensaiada por conveniência. Se um dia escreverem um livro sobre a tua vida sei que sabes que as páginas dedicadas à minha pessoa não passaram de duas, uma que conta o meu nascimento, outra que acaba com o acidente e como isso nada mudou a nossa relação.

Disseste-me que as coisas iam mudar, disseste-me naquela tarde, no jardim, rodeado de lagartos e com os olhos de um louco que as coisas iam mudar. Mais tarde disseste-me que tinhas um pressentimento, que as coisas estavam a mudar. É nessas alturas que sei que me fizeste falta. Porque as coisas só mudam para ti quando estás com olhos de louco. Pudesse eu ser a Ophélia e perceber de que mudança estás a falar. Eu era Ophélia e tu falavas comigo de igual para igual.

Não digas mais nada. Não te voltes a justificar. Não me voltes a enganar. Não me voltes a desiludir. Não me perguntes mais como estão os fios do coração e do pescoço. Não me peças mais calma e compreensão. Não me arranjes mais desculpas. Não me digas que estás à espera do dia em que o sonho da valsa se vai concretizar. Não me chames Cotitas. Não me chames mais.

Nem por 10 minutos. Não venhas atrás de mim se não pretendes acompanhar o meu passo largo. Não almoces mais comigo se a conversa é silenciosa. Não me contes o que comentam. Não me digas mais aquele nome que tem três letras. Não deixes nunca mais que eu crie expectativas. Deixa-me ser outra vez pequenina e estar a passear na bicicleta azul brilhante no jardim de Leiria. Deixa-me ser pequenina outra vez e comer castanhas na Rua Augusta, tirar fotografias debaixo do elevador e acreditar que eras um porto seguro.

Se te ligar e te disser que os fios do coração estão enleados vais achar que estou a falar dos sapatos novos. Não vais perceber que esses sapatos estão na minha vida há dez anos, não vais perceber que esses sapatos ainda que me magoem às vezes, não me desiludiram, não me prometeram a lua, não se foram embora nunca. Se te ligar e te disser que os fios estão enleados não vais perceber que é por tua causa. Por isso eu respondo o que ensaiamos vezes sem conta - e nascem novamente 10 falsos minutos de cumplicidade. E dói. Dói sempre.

Porque eu tenho mais de ti do que quis e porque estarás sempre aí. Perto.

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